Roda dos expostos

Renato Tapado


Filme de Maria Emília Azevedo. Prêmio de Melhor Fotografia (Charles Cesconetto) no Festival de Cinema de Gramado de 2001.



As raposas têm tocas e as aves do céu, ninhos. Mas o filho do Homem não tem onde reclinar a cabeça.

Lucas, 9/58.



Numa ilha, buscar a origem é perder-se em círculos.

*

Héctor, Heitor... O que importa um nome? O que importa pertencer a alguma coisa?

*

Tente se lembrar, Héctor: há muito tempo chegou aqui um marinheiro, e contou de onde vêm as crianças. Como elas são expostas ao mundo. O marinheiro é alguém que sabe.

Todos nós estamos expostos.

*

Héctor, Heitor... Este nome... Ele também se apagará com a força das águas.

*

Mas tem coisas que a erosão não alcança. Como o Tempo, Héctor. O Tempo não pára.

*

A curiosidade é perigosa, Héctor. Buscar a origem é se perder.

*

Quando a origem, onde. Você persegue o branco dos começos. Todo labirinto é espiral. Héctor: de onde você veio?

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A sua casa é o abismo. O assombro diante da pedra.

Nossa memória é confusa.

*

Você pertence à infância, Héctor, você que quase não fala.... Eu também me espanto com a vida, Héctor. Eu também.

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Quem procura parar o Tempo, agarrar o Tempo.... Ah, tudo empurra a gente para a frente, sem volta. Só a dureza dos dias e as águas que nunca acabam de correr.

*

Eu também procuro, Héctor.

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O mistério é para quem já sabe.

*

Um gato não pergunta. Os gatos não sofrem.

O Tempo é de pedra: pedra que mói, que roda em cima de nós: "a dor não dorme"(*).

*

Quando o Tempo acabar, voltaremos ao pó. Mas, na verdade, viemos foi das águas, Héctor, das águas.

*

Na verdade, eu tenho é inveja do Héctor. Só quem foi exposto à vida pode voltar a ficar nu diante dela.

*

Veja bem, Héctor: nós não somos "os esquecidos": somos abandonados.

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Mãe é quando falta.

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Gisela, Anália, Luna.

Luana, Lígia, Lísia.

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Nastássia, Sofia, Ingrid.

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Beatriz, Marília, Matilde.

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Clara, Cláudia.

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De Lourdes, Das Dores, de Fátima. Emília.

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Eva.

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Clarice.

(*) Texto de Jayro Schmidt.

RODA DOS EXPOSTOS

Textos complementares

Renato Tapado

Há tempos Héctor procura sua mãe. Todas as noites ele dá voltas em torno dessa ausência, essa alma sem corpo que ele busca e que tem a consistência de uma chama. Héctor significa: aquele que tem as mãos vazias.

*

Todas as noites Héctor volta à roda procurando sua mãe. Todas as noites uma ausência, as mãos vazias carregando apenas uma chama.