Sonetos eróticos

Renato Tapado



1

Esse sorriso que exalas,

traço impuro de promessas,

carrega tudo o que calas,

pássaro em vôo às avessas.

Com que véus se insinua

tua boca em clara malícia?

Não sei dizer: estás nua

quando ris, tornas delícia

o enigma destes momentos.

Qual o sentido que trazes

nos lábios quase sedentos?

Tua pele me dilacera

quando ardes num mistério:

e minha fome faz-se espera.







2

Há algo misterioso nos teus seios,

e busco em vão esclarecer seus halos.

Apelo às minhas mãos, não tenho meios

de descobrir o enigma sem tocá-los.

Disposto a encontrar algo que sele

minha curiosidade insaciável,

pesquiso a seda rósea da tua pele

com minha língua e sua palavra afável.

É madrugada. Mudo o meu caminho

e percorro o teu corpo como um pássaro

buscando a fome cálida no ninho.

Pergunto ao corpo, mas estás dormindo.

E mesmo assim minha sede é satisfeita

com essa resposta que me dás sorrindo.







3

Abri meus olhos: tudo se aqueceu

com a polpa clara, a pele doce seda.

Que minha saliva atrás do gineceu,

em recomeço eterno, me conceda

essa picante espera: ela promete

depor meu tédio diante da abertura

sem fundo, sem cancela, que submete

meu sonho a sua sensual brancura.

Minha boca se aproxima. Ela já sabe

o abismo suculento dessa esfera

na foz de uma nascente que a circunda.

Mato minha sede. Meu desejo cabe

inteiro onde só essa entrega impera:

alvo redondo que meu suco inunda.







4

Palha feliz, essa em que me deitaste,

dispondo à pele a cálida penugem.

Roçando nela tira-se a ferrugem

do corpo, e já se ergue toda a haste.

Em minha nudez espeta tal esteira,

qual toques num faquir adormecido.

Mas teu corpo macio, amanhecido,

traz a sombra serena da parreira.

Então, crepita a palha, acende o instante

de tanta fricção na carne dura,

queimando a chama viva num rompante.

É quando cessa a tímida ternura,

e vem à tona a seiva salpicante -

cansaço e distensão, fim da aventura.







5

Pele carmim, de franca ressonância,

que minha voz, lançada muda, sabe.

Eco que engole, oco, minha ânsia,

onde minha língua ensandecida cabe.

Lugar em que a utopia se dissolve

morrendo em ofegante devaneio.

Nenhum projeto, tudo se resolve

nessa esfera que me prende no meio.

Palavra zero, fosso da escritura,

esse momento em que minha língua avança,

e um óleo torna a minha carne dura.

Sabor de dentro, cereja madura

deixando rubras as bocas em dança -

até que a rosa cale em sua loucura.







6

Pensar, depois. Agora, não há tempo

diante desta urgência libertina.

O instante treme. Tudo desatina,

e o minuto seguinte é um contratempo.

A pele tem a fome de uma ira,

cálida esfera rosa, voz gritante,

que exige em sua febre algum rompante.

Então, teu corpo, obedecendo, gira.

Nenhum atalho. Tudo se concentra

nesse ponto onde os músculos se abrem,

e esse desejo inadiável entra.

Combate vão, já que não há vencidos -

só o júbilo comum do nosso gozo

arrefecendo todos os tecidos.







7

É um doce deleite o que me entregas,

abrindo as tuas coxas sem receio.

Vislumbro essa delícia e bem no meio

disponho minha porção, em que te esfregas.

Adio esse sabor, sabes mantê-lo

como um belo bom-bom, tão bem guardado,

que vais saboreando com cuidado,

com tal langor que me arrepia o pêlo.

Mas tudo, infelizmente, tem sua hora,

e não podendo mais guardar o gozo,

abrimos nossos corpos sem demora.

Ainda assim, é grande a nossa sede,

Então vamos sugando o que nos sobra

até adormecermos nessa rede.







8

Estamos na penumbra. Só uma vela

desenha a parca sombra do teu dorso.

Mas quero ver-te mais, então eu torço

teu corpo, e o que deslumbra se revela.

Tão pouco lume, e eu vejo, no entanto,

a clara ondulação do teu relevo,

que me alucina como algum enlevo,

meu corpo se apagando em teu encanto.

A luz tremula, e tua pele pede

o afago de meu músculo mais quente,

que agora pulsa e tudo te concede.

E assim a vela vai se consumindo,

e o meu corpo em tua febre pressente,

no ápice do ardor, que estás sorrindo.







9

Viras pra mim tua nudez redonda,

e meus olhos recebem esse abalo:

meu corpo treme como numa onda,

quero dizer o impacto, mas me calo.

Não sei quem te moldou em redonduras,

com partes escondidas, raros pêlos,

em claras regiões, outras escuras,

dois pêssegos que chamam a comê-los.

E minha fome vai se avolumando,

a saliva se excita, a pele arde,

e perco as referências de onde, quando.

Então, as tuas conchas me enovelam,

entro em seu doce encanto, e bem mais tarde

teus úmidos segredos se revelam.







10

O tempo inteiro é nosso, então fruímos

instantes sem promessa, esses lençóis

onde, desde a manhã, nos possuímos -

e me cobres de ataques, mas não dóis.

Rolamos o desejo até a preguiça

interrompendo o auge e o seu cansaço.

Vale tudo nessa morosa liça

para adiar o derradeiro abraço.

São três da tarde. Imersos na espera

provocamos o gozo até o limite,

e nossa sede já nos exaspera.

São três e meia. Fracos, exaurimos

nossa energia em doce desperdício.

Então, saciado o êxtase, dormimos.







11

A tarde se desfaz. Nessa penumbra,

à espera de uma Lua luminosa,

deitamos os dois nus. Ela deslumbra

com o lume de sua pele deliciosa.

Ninguém se movimenta, o ruído cessa

no incipiente escuro. Aguardamos

a fibra do desejo. Não há pressa.

Apenas há o perfume que exalamos.

Depois, surpresa em mim, ela inicia

um périplo de seda com sua língua,

lentamente em meu peito, depois desce.

Cada vez mais sua boca me sacia.

Até que à luz da Lua - eu quase à míngua -

revela-se o que nenhum corpo esquece.







12

Puro cetim brilhando num veludo,

teus olhos são a fenda inacessível

nessa pele de ébano impassível,

passando em frente ao meu desejo mudo.

Caminhas, e teu brilho cor de jade

dispersa a timidez - me sinto o vento

ganhando no deserto a cor da tarde.

Mas passas como tudo - e eu, sedento.

Que faço com tua cálida elegância

e a flora que dás com teu sorriso?

Só, te contemplo e meço a minha ânsia

de ter teu corpo aqui, nesta centelha.

E o teu olhar, em seu verde preciso,

me acolhe como a flor a sua abelha.







13

Tão nua estás, quase uma leve ofensa

a esse pudor que trago como escudo.

Tua pele com sua luz, a minha, tensa.

Diante dos teus olhos, perco tudo.

Tento compor com tua nudez a imagem

de uma definição quase impecável.

Quem dera, eu terminasse essa viagem

que não tem fim: o meu olhar amável

captando a claridade de um mistério.

Agora, te abres, vens a mim, ousada,

confundindo meu corpo e seu tom sério.

E eu sorvo teu silêncio como o orvalho

a excitar a fibra desfolhada.

Teu corpo doce, assim, é agasalho.







14

Como licor, teu lírio tem um gosto

doce, cálida fonte, mel impuro,

abrindo a luz na pele do teu rosto,

contendo meu ardor, músculo duro.

Sorris, e tua boca me comove,

quando me comes com todas as flores,

as coxas duras, nossos membros - nove -

entregues aos seus lúbricos tremores.

Nunca te vi tão bela nessa entrega,

o meu olhar sedento te engolindo,

tua boca que me acolhe e em mim se esfrega.

E nessa sede, a fagulha rescende,

vibrando em teu abalo que vem vindo.

Diante do teu corpo, o meu se acende.







15

Caminhas como o escuro cervo andino,

a procurar prazeres pela casa.

Teus passos são uma dança, e tua brasa

acende teu meneio feminino.

Tua pele escura abraça o meu segredo,

compondo em seu bailado a doce espera.

Me lanço a essa viagem, vou sem medo,

buscando no teu corpo a quente esfera.

Giras. Então, teu eixo me confunde,

turva meus olhos. Tremem os meus membros,

dispostos a ceder ao teu assédio.

E antes que teu perfume me inunde

já penso em outro instante, outros setembros,

gozando esse teu lume contra o tédio.







16

Teus olhos me tocaram. Quase um susto,

estremecendo em mim esse sorriso.

Foi a primeira vez. Eu vi teu busto,

a face doce, o desenho preciso

compondo em tipo raro o meu espanto.

Disfarço meu abalo, invento gestos,

mas volto a te encontrar. E te olho tanto -

corpo tão novo - que imagino incestos.

Viras de costas. Meu pudor se atreve

a esquadrinhar a tua envergadura:

curvas de seda, pétalas de neve.

Tudo provoca minha libido acesa.

E sonho com tua cálida brancura

roçando em minha descrença tua certeza.







17

Abre-te inteira para o meu desejo:

a pele tensa, os poros e seus ais,

e mais embaixo, aquilo que não vejo,

só pressinto, procuro, e encontro mais.

Eu sei essa umidade doce, o sim

que me ofereces em teu seio quente,

tua boca avermelhada, a outra ardente,

dispostas a verter seu óleo em mim.

Sou minha língua: mudo, vou tecendo

Um labirinto em ti, na frente, atrás,

e rolas como um gato adormecendo.

Então, minha boca roça o teu momento.

Eu sugo tudo o que teu corpo traz.

E quanto mais te seco, mais sedento.







18

Quando tua pele fulge, assim devassa,

pressinto o cheiro doce de tuas coxas,

o calor dos teus seios - flores roxas

chamando meu desejo. Então, se esgaça

teu corpo em devaneio. E nessa oferta,

eu sugo o teu suor, dublê de sede,

mescla de ácida fruta, rosa aberta,

tuas pernas me cobrindo como rede.

Tudo circula, os líquidos, as ânsias,

tuas ancas me comendo com sua fúria,

o aroma de jasmim, tuas reentrâncias...

E nada mais tem fim, só languidez

mordendo a resistência até a penúria.

Exaustos, começamos outra vez.







19

Ai, essa fome tua, que surpresa,

abrindo o que era o último pudor,

as pernas bambas, tua cintura acesa

que se entrega. Só há prazer, sem dor.

Escolho a posição pro teu conforto,

e ávida me acolhes num abraço.

Vou chegando por trás (somos um laço)

como um barco penetrando em seu porto.

Na frente, com a mão, moves teu leme

embriagado e lúbrico, à espera

do instante em que a nossa carne treme.

E chega o desenlace para mim,

lanço meu gozo, gozas em tua esfera,

e a noite brilha em tua pele carmim.







20

Contigo, sou mais homem do que nunca,

levando até o limite minha libido.

Como encaixamos! Nada aqui se trunca.

Provamos tudo o que é desconhecido.

Os toques que me fazes, os teus lábios

depositando em mim tua ternura:

gotas de licor. Nossos corpos sábios

degustam seu segredo em carne pura.

Então, te entregas, abrindo devassa

tudo que podes, assim tão sedenta,

que não sabemos do tempo que passa.

Eu bebo todo líquido que lanças

em minha língua, numa urgência lenta.

E penetro tua flor, enquanto danças.







21

A tua ausência, ai, quase me afoga,

quando me encontro teso e sem amparo.

Lembro teu corpo e seu abraço raro,

tua fome que qualquer langor revoga.

Aqui, sozinho, o fogo que estimulas

me deixa as pernas moles, a tez, rosa.

As horas que padeço, tu anulas,

até esqueço poesia e prosa...

Então, pego o caderno e a caneta,

disposto a extravasar o meu dilema -

e aqui te oculto essa outra rima (em -eta).

Escrevo minha premência em cada traço,

pensando em tua pele, esse poema,

e com a mão esquerda me desfaço.







22

Estamos nus no abraço, e eu te ofereço

palavras obscenas, sussurradas,

e as coisas que respondes, depravadas,

eu saboreio e nunca mais esqueço.

Mastigo as sílabas, mordo tuas curvas,

e tudo que me entregas são delícias:

gestos, gemidos, palavras, carícias,

e a noite estende suas águas turvas.

Então, no lusco-fusco mergulhamos

em fendas oleosas, corpos duros,

com a maciez que, juntos, desfrutamos.

E tudo se desmancha nesse atrito,

ficando apenas nós, desejos puros,

e das palavras resta, só, um grito.








23

Desperto, e tu suspiras ao meu lado.

Rolas teu corpo tão felinamente,

dispondo, assim, teu dorso acetinado,

que armo meu abraço lentamente.

Ainda sonho. Ronronas de leve,

fazes uma careta e um meneio,

sorris dormindo, e num delírio breve

me levas novamente ao devaneio.

Mas uma parte de mim se levanta,

rompendo essa modorra matutina,

e agora tenho sede, fome, e tanta,

que, olhando as tuas coxas, já salivo.

Quando acordas, teu beijo me alucina,

e eu agora sei por que estou vivo.







24

Do teu corpo, já não guardo mistério -

o mapa da tua pele está em mim.

Nosso sexo tem cheiro de jasmim,

e quanto mais ousado, mais é sério.

Palmilho tua pele, e tudo é gozo

que trazes em teus poros. Eu me perco

buscando teu calor, e nesse cerco,

o meu caminho é doce e sinuoso.

De repente, teu gesto surpreende

Querendo no meu íntimo esse ponto

que tu sabes tocar e que me acende.

Assim, me entrego todo e sem rodeios,

até que, de prazer, me deixas tonto,

e morro sem morrer sobre os teus seios.







25

Me tens, é tudo. Já gozamos tanto

nossas horas, que somos mais que amigos.

Em cada beijo teu, tenho um encanto.

São doces tuas mãos; teus seios, figos...

Sorris como quem sonha. Teus olhares

são marinhos, teus pés me acariciam

como espuma. Dormes. Quando acordares,

nossos corpos, que nunca se saciam,

serão um só nessa lassa manhã.

Tua pele clara, tua concha rosada

levam à minha língua tua maçã.

Esse acordar lascivo, eu não esqueço:

tua boca me deslumbra como fada...

Eu não perco a ternura e endureço.







26

Tua voz já me pertence. Ela ecoa

em meu corpo vazio trazendo a falta

que fazes, a saudade, antes que doa

a tua ausência em mim. Minha alma salta

quando falas um ai ao telefone.

Lembro tua cor, a febre da tua pele

roçando em mim o seu desejo insone,

e temo que qualquer coisa cancele

esse instante de fogo. Tudo incita

o encontro de minha boca com teu centro,

o calor que fazemos, o que excita

a úmida vertigem escondida.

Então, a fome que nos rói por dentro

acha seu fim na última mordida.







27

Saudade da tua pele, do perfume

inconfundível, fresco como mar,

que exala o teu desejo. Esse lume

em teu corpo me reensina a amar.

A tua voz, ausente, me faz falta,

a tez que decorei, tua cor ardente,

as coxas firmes, teu jeito peralta,

tudo que fazes, o meu ser consente.

Agora, sem você, meu corpo chora.

Nada a dizer. Retorno à estaca zero.

O nosso sexo, ai, já não tem hora.

Limite do desejo: este soneto

sem carne, sem parceira, mas sincero,

lembra a harmonia do nosso dueto.







28

O teu olhar, imenso e verde, assusta,

como um felino, de um langor esquivo.

Fico confuso, alvo do teu crivo,

e suportar teu fascínio me custa.

Como te ver, quando tu me embaraças,

e meu corpo gagueja, e tudo joga

como num barco ardente? Ai, não faças

do teu corpo - mistério - a minha droga.

Tento fugir - teus olhos me perseguem

em seu verdor brilhante e obsceno.

E os meus te buscam tanto - embora neguem.

Agora, nua, teu corpo me pede.

Na minha entrega, te encaro de frente,

e o medo dos meus olhos se despede.







29

Teu corpo nu ao sol. Quanta delícia

eu vejo sem te apreender - fogosa -

nessa distância, quase uma carícia,

em tua cadência vasta e luminosa.

Dormes de bruços. Teu volume ostenta

esse mistério aberto e movediço.

Ao teu encalço, minha alma esquenta,

e meu desejo a ti é submisso

como o felino à inalcançável presa.

Estás tão perto, quase uma miragem,

e de repente, te pões de novo acesa.

Por trás, eu te domino feito um rio

que tudo invade e enlaça, já sem margem,

então te levo, flor de água, ao desvario.







30

A noite enlouqueceu. As coisas giram

no quarto alucinado. Em nossa cama,

as travas e os pudores se partiram,

e tudo o que nos toca, aqui, se inflama.

Mãos rápidas, calor, gestos ousados

como gatos caçando a sua fome.

Viramo-nos do avesso, atravessados,

e o que tentamos ainda não tem nome.

Que gosto é esse que descubro em meio

à longa e doce trilha em tua pele?

Sabor de cio, cheiro de devaneio...

E quanto mais procuro, mais perdido.

Sim: que toda certeza se esfacele,

e se dissolva em gozo algum sentido.







31

Perdi teu corpo. Como dói o instante

onipresente e lúcido da ausência...

Meus olhos tão vazios, a paz distante,

Meu coração pulsando em vã ardência...

E quanto mais te expulso, mais visitas

meu sonho inquieto em triste madrugada.

Tento esquecer, mas de longe me incitas

a revolver minha sina apaixonada.

Ai, semblante cruel do teu fantasma,

a percorrer meu quarto ensimesmado...

E minha consciência fica pasma

ao me ver tão perdido. E tanto quero,

envolto em meu desejo mal-amado,

que dentro da distância ainda espero.








32

Assim, em mim, tua face se ilumina:

como essa lua lavada de sonho

na janela, o leito branco, a menina

que você é se abrindo, e eu tristonho

enquanto não me abraças em segredo.

Tudo que calas, engulo sem dor,

mandando o tédio para algum degredo,

lambendo a tua pele e seu sabor.

Quero esquecer. Nessa temperatura

que trazes em teus seios, sóis de linho,

se dissolve a tristeza como neve.

E tudo arde na pura brancura

do luar nos lençóis, fogo no ninho

a perfumar nossa alma mais leve.







33

Quando te conheci, ai, quanto susto

trouxeste com tua beleza impossível...

Teus cabelos negros, o meigo busto,

teu olhar cor de jade, irresistível

como um felino enfeitiçando a caça.

E quando falas - sopro de algo raro -

para mim, minha timidez se devassa

- todo o teu corpo azul já me é tão caro!

Se longe, assim, já tua pele encanta,

como será roçar essa delícia

que me entregas, por dentro e por fora?

Sonho com tua imagem, que me espanta -

ter teu sonho comigo qual carícia -

e o verde dos teus olhos me deflora...







34

Passas na rua como a prometida,

aquela cujo corpo me escancara

pudor e timidez: está na cara

que falta em mim o dom da investida.

Verão aberto, e eu sem voz nem sono

fisgando o teu volume, esse alimento

que finge que sacia - e eu, sedento,

mastigo a tua ausência: um cão sem dono...

Como parar o tempo, raptar-te

para um lugar de sonho e de luxúria,

até que o cotidiano se descarte?

Eu tenho febre, e passas quase nua...

Quero reter tua carne com minha fúria,

mas vais, e meu desejo ganha a rua...







35

Quando te abraço, és quase uma menina

com teu pudor fingido, os olhos mansos.

Mas sem querer teu corpo vem por cima,

alucinado, longe dos descansos

que nossos corpos, por vezes, desfrutam.

Agora é a fúria das tuas coxas loucas,

tuas ancas em tensão, lábios que lutam

para morder, as nossas vozes roucas

gemendo num compasso exasperado.

Viras de costas, toda entregue ao vício

de te tornares, finalmente, aquela

que cede a sua loucura ao seu amado.

E voltas e revoltas ao início:

adulta que, de tão menina, é bela.






36

Ah, teu gosto, quase novidade,

a debruçar em mim sua úmida voragem.

E quanta ação faminta, sede, Sade

nesse lençol onde tudo é passagem

para o gozo. Eu saboreio a sanha

gotejante, a ânsia pura, mistério

a nos lançar no âmago da entranha,

onde tudo é desejo, nada é sério.

E quanto mais engulo, mais sedento,

diante de teus poros despertados,

feito um lobo lambendo o frio relento.

Eu sorvo cada gota desse cio -

Cálido gole, fogo amaciando -

como o lobo carece de seu rio.







37

A minha língua, em ti, quantos sabores

descobre em meio à pele, aos pêlos, tudo

o que me faz gourmet, os teus calores

que sabem o que sei. Eu fico mudo

diante de tua língua acelerada

e desfaleço em cada gosto teu

como se fosse a vida degustada

em pétalas, em pólen, gineceu,

e tudo se acabasse na brancura.

Em teu corpo, como um dublê, me atiro

à sede, à fome, à tua temperatura

capaz de me acender e deixar tontos

meu senso, meu olhar e meu delírio.

E no final de tudo, estamos prontos.







38

Fora daqui, há o buliço da rua -

mundo distante, dia sem deveres...

E nesta cama, a tua presença nua

clamando-me a tantos afazeres...

Por onde começar? É tudo enigma

diante do teu corpo e teus sinais

confundindo meu torpe paradigma.

E nós somos só gestos, toques, ais

na tarde acelerada rumo à fome.

Eu quero traduzir o teu desejo,

mas nada que fazemos tem um nome...

Então, eu me despeço das linguagens,

tudo se esvai em fala silenciosa,

e nossas línguas se tornam selvagens.







39

Não houve início: já nos encontramos

em meio à densa e lúbrica voragem,

tão conhecidos - tenso devaneio -,

teu corpo e o meu em rara aprendizagem.

E mesmo assim, nós dois nos espantamos

com cada gesto e cada descoberta

sob a cálida manta, sobre a pele,

quando o calor aumenta, e nos calamos

diante de tanta língua desejada.

Eu chego - nós chegamos - a essa esfera

na qual se morre um pouco, mas partindo

uma outra vez, e uma terceira, alada,

em que afogamos toda a nossa espera

sorvendo o brinde que me dás sorrindo.







40

Nunca senti o pico dessa urgência,

amor, ter a tensão, a espiral

de gozo, de sorrisos, tua exigência

de mais um lance, o instante seminal

que não termina. Os músculos, cansados,

levitam. Cada minuto que corre

dispara nossos corpos ritmados,

e tudo volta a ser, e tudo morre

sobre o lençol sedento de desejo.

Agora, em teu peito oferecido,

lanço meu grito quase como um beijo.

E morro novamente e ressuscito

como quem busca, em duas, uma vida,

essa que ganho em teu ardor aflito.







41

Seda, cetim, a seca suavidade

branca da tua pele se umedece,

quando se entrega, assim, à saciedade,

e em teu corpo tudo resplandece.

É como se brilhasse, em ti, a sede

de beber nesse lago a nossa imagem,

e mergulhamos dentro da voragem

tal qual um salto num circo sem rede:

fragmentos de um discurso de amor

em que, silenciosos, devoramos

tudo o que pulsa, vibra e tem sabor

numa fome sem fim. E nosso leite

- gotas de gozo -, que então exalamos,

dissolve o mundo em lúbrico deleite.







42

Lá fora, faz dez graus. Perto da estufa,

cobrimo-nos com nossa tez ardente,

esquecidos das mantas, das pantufas,

lançados a uma insensatez crescente.

Já nada importa. Mesmo que nevasse

-e a tarde gélida cercasse o leito -,

seguiríamos nus, num face-a-face

capaz de acalentar o nosso peito

até a noite. Cada vez maior

é esse desejo quente e sem medida,

que chega a consumir nosso suor.

E quando a madrugada nos alcança

- a cama cálida de tão vivida -,

o nosso amor aquece, abraça e dança.







43

Essa mínima flor que me ofereces,

sem fim, em cada noite, até o limite,

me abre o corpo em gozo. E estou quite,

ao dar-te o meu desejo. Nele, teces

tuas pétalas de fina filigrana,

rósea esfera, franqueada tumescência

a vibrar, qual minúscula campana,

sempre que a beijo, afoito e sem decência.

Cada vez que meus lábios se umedecem

da seiva de tua boca mais selvagem,

mais me dilata os músculos, que crescem

com o líquido que trazes escondida.

Assim, me afogo em tua paisagem

e sobrevivo em tua doce bebida.







44

Quando me tocas, se alçam meus pêlos,

cansados de sua vã monotonia,

e levitam, em franca rebeldia,

obedecendo a mágicos apelos...

Minha pele, ao desnudar-se, invoca

a lenta gestação de uma delícia,

que tua mão de maga me provoca,

quando me doa, meiga, uma carícia...

Meus músculos ao toque se avolumam

com teu abraço pleno de desejos,

até o limiar da resistência...

E nossos corpos leves se perfumam

- quando me tocas -, ardem seus lampejos,

até adormecer a consciência...







45

À beira de uma praia cristalina,

estamos os dois nus, como adejados

na vertigem do mar e sua neblina

pelo lume da tarde alaranjados.

É a hora em que nasce a tênue bruma

que envolve nossas carnes oleosas

- desejos, gozos, ais... -, peles porosas

dispostas ao crepúsculo de espuma.

E vem a noite, e ali nos entregamos

ao doce recomeço, a uma fadiga

feita de sal, de risos, de carícias...

Depois, na madrugada, contemplamos

as estrelas que o nosso olhar abriga

- e volvemos, sedentos, às carícias...







46

Ávida e amiga, a minha boca acata

tudo o que vem de teu coro febril:

gosto de amêndoa, perfume de mata

- língua felina sobre o doce rio

em que mergulho, em cálido delírio.

Tantos sabores tens em tua penugem,

tuas coxas, teus recantos... - e um colírio,

essas reentrâncias com tons de ferrugem,

onde minha língua abre a tua sanha.

Então, desatas toda a tua fúria

que eu recolho em goles de saliva

diante de teu sexo que se assanha.

E tudo se abandona na luxúria

de minha sede em tua seiva viva.







47

Quando começa a noite, as nossas taças

se enchem do mais fragoroso vinho.

Bebemos ao amor, e tu me abraças:

dois bichos entretendo-se no ninho.

As nossas línguas lançam-se à procura

de sabores, de insólitos prazeres,

roçando a pele tênue da loucura

com tantos e tão ávidos quereres,

que nossa sede só delira e cresce.

Quanto mais vinho, mais abandonamos

toda prudência, e tudo se oferece

aos nossos corpos ébrios de luxúria.

Fora do tempo, extáticos ficamos

com esse licor de insensatez e fúria.







48

Com a sede de uma gata quando em cio,

buscas em mim o bálsamo hidratante

- fúria de boca e língua rumo ao rio -,

na lenta e ardente gustação do instante

em que nos abraçamos. Tudo gira

- teus lábios, minhas mãos, a cama, a casa -

em torno dessa urgência que nos mira.

E quando meu desejo se extravasa,

bebes o cálido licor sem pressa,

como lambesses um feliz filhote

em sua cor de Lua cristalina.

Então, exiges mais uma remessa

- com a fome de quem vai direto ao pote -,

e me engoles como ávida felina.







49

Na noite longa, é o meu corpo inteiro

que se excita com teus toques de gueixa.

E\cada gesto teu é tão certeiro,

que minha língua não tem nenhuma queixa

a expressar, só a perplexidade

de alguém com a pele em pétalas de fogo.

Em teus meandros, busco a umidade

a saciar a sede em que me afogo.

Ai, essa escura rede em que capturas

o meu desejo e dele faz um servo...

Que armadilhas mais e que loucuras

preparas agitando os meus sentidos?

Agora, tudo é carne, pele, nervos,

e nos perdemos em doces gemidos...







50

Ao tocar teu perfil de gata meiga,

os pêlos, cintilantes, se eriçam.

E tua boca, numa prece leiga,

me pede os gestos lúbricos que atiçam

o teu dorso em fogo. No quente instante,

abraças o desejo como um vício

- línguas abertas, pernas em rompante -,

e o mundo, longe, parece fictício

diante desse ardor que abala e geme.

Tua pele brilha, os olhos lacrimejam

a umidade Láctea que me exalas

por toda a tez. É quando a carne treme,

e os músculos, como febris, almejam

essa delícia que engoles e calas.







51

Quando te entregas, estirando os braços,

as coxas afastadas sem decência,

escuto teus gemidos de impaciência

prefigurando os gozos em teus traços.

Fechas os olhos e abres a boca

num vai-e-vem de corpo alucinado,

e tuas pernas sãs me têm atado

à tua fruta rósea. Como é louca

a saborosa polpa, envaidecida

de tanto receber beijos macios,

até entontecer. Agradecida,

sorris com tua pele ensolarada.

E eu bebo nessa esfera tantos rios,

que minha alma dorme embriagada.







52

Teus ossos: essa é toda tua estatura

que cinge um desenvolto corpo belo:

desenho de marfins, tez que revelo

ao manusear tua meiga tessitura

dançarina. Ao desvendar teu dorso,

me embebo da mais pura adrenalina

- púbis fogoso, tórax que torço

até achar tua fonte mais felina.

Então, tua ossatura se enternece

- os músculos entregues à preguiça -,

como um flor que, súbito, amanhece.

E abres, como se nunca cessasse,

tua fome desse abraço que me atiça,

enquanto morro em doce desenlace.







53

Áspera seda, íntimos jardins,

teus pêlos têm a íntima textura

da pétala escondida. Quantos sins

entrego, em minha ânsia, à tua brancura

que abriga a oriental caligrafia:

negros desenhos em tua pele alva

chamando o meu desejo como um guia

a percorrer teu corpo sem ressalva.

E neles, eu me perco e me demoro,

roçando a minha sede sem fronteira

em tua ampla compleição de trigo.

Até que, insaciável, eu te imploro

que apagues minha rústica fogueira

com tua fina sedução de figo.







54

Com suave langor, sorris baixinho,

o corpo desnudado, os braços leves...

E como gata perscrutando um ninho,

me olhas sem dizer ao que te atreves...

Quase em silêncio, mias, sinuosa,

entre lençóis com cheiro de alfazema.

E com tua força sob a tez dengosa,

me prendes como a forma de um poema.

É o começo de uma vã hipnose,

pois, quanto mais me miras, mais desperto

- e teu feitiço encanta meu desejo.

É fim de noite, e me dás outra dose

de teu corpo felinamente aberto.

E eu morro ronronando com teu beijo.







55

Na cama branca, nua me provocas,

com teus dedos macios, tua boca em brasa

roçando a falta em mim. Tudo o que tocas

se aquece até a delícia, ferve e vasa

alimentando o teu calor perverso.

Tua língua de um carmim libidinoso

dá voltas em meu dorso e seu anverso,

buscando a fonte de um vigor viscoso.

Entre lençóis e peles cor de leite,

pulsa, viçosa, tua sede corada

a embriagar-se com sua clara gula.

Ai, quanta espera ansiosa se acumula

nesse jogo de audacioso deleite...

Até ser tua garganta saciada...







56

Quando cheguei, já estavas no sofá,

lânguida e clara, elegante e nua,

como se passeasses pela rua,

e sem pudor teu corpo disse: "Olá!".

Em um segundo, tudo era passado:

o dia, o clima, a cidade lá fora...

Aqui, nos entregamos sem demora

a esse desejo insone e aguçado

que nos devolve à fonte mais lasciva.

Ali, bebemos o chá libertino

até a exaustão. Nossa saliva

sabe a devassidão e devaneio.

Ainda no sofá, em desatino,

deixo gotas sedentas em teu seio.







57

Abrimos o champanhe. Tudo é luxo

nesta noite de estrelas junto ao rio.

E úmidos por tanto desvario,

mergulhamos, sedentos, nesse empuxo

de espumas sobre a pele. Tu recolhes

com a língua gotas frias em meu corpo

- é fim de ano, o mundo está absorto -,

e quando brindo a Vênus, tu me acolhes.

Agora, é meia-noite. O tempo pára.

Celebramos, gozando, o esquecimento

desse mundo sem cor. A nossa tara

é encher a madrugada de aventura.

E enquanto o que passou já não existe,

em nós é o infinito que perdura.







58

Com pressa, atiramo-nos à mesa,

tuas coxas estendidas, peito arfante,

meus braços agarrando com destreza

tuas ancas, em manobra delirante.

E tudo começou seu movimento:

a casa a circular em torno à febre,

o abraço de água e fogo num momento

em que também se abraçam lobo e lebre.

Nenhum silêncio. Tudo ali ardia

com a lógica faminta da urgência,

que, quanto mais adiada, mais crescia.

Então, tua voz ganhou a intensidade

de um júbilo animal em sua essência:

a fera em deliciosa insanidade.







59

É fim de festa. Tu quase dormias,

deitada no sofá que tanto amamos...

Pés nus, sem o vestido, parecias

a Maja que com Goya admiramos.

Aos poucos, tua preguiça foi cedendo

ao toque de minha língua sorrateira...

E teu corpo, desperto, compreendendo

aquilo que tua pele, tão faceira,

admitia em seu desejo em chamas:

o vislumbre da noite prometida

em que suspiras, gemes e me clamas

tudo o que possa enlouquecer o senso.

Então, com a nossa fome desmedida,

saciamos no sofá o amor imenso.







60

Quando começa o jogo, tu me trazes

tamanha excitação, que nossos lábios

se aferram aos prazeres, não às frases,

e é noutra direção que somos sábios...

Em cada toque ou beijo, tudo cala.

Mas, mesmo no silêncio, a boca sabe

os segredos da pele,e o corpo fala

alimentando a gula que não cabe,

de tão exasperada... Ai, que eu morro,

com essa sede que não satisfaz...

Bebendo teu licor, peço socorro...

E quando, com tua sanha, me embriagas,

ao engolir meu suco, tão voraz,

me salva a doce mão com que me afagas....